sábado, 30 de julho de 2011

A SEGUNDA GESTAÇÃO

O nascimento é um grande momento na vida das famílias. Filho ou filha são esperados com ansiedade e emoção. Berço, carrinho, fraldas, sapatinhos, roupas e a escolha do nome. Existem os que combinam letras, outros que consultam numerólogos e quando a decisão é tomada a família  se reúne e comemora. Enquanto o ambiente familiar se agita com a chegada do novo membro, a criaturinha cresce silenciosamente, no líquido amniótico. Com a placenta para protegê-lo, seu desenvolvimento é garantido a uma temperatura agradável. Alimentos chegam  previamente preparados. Naquele mundo admirável  amadurece, até o dia em que terá que enfrentar a realidade, isto é, cair na real. Um período de nove meses, é suficiente para  transformar uma pequena célula num bebê. Nesse tempo, a família se organiza, planeja, faz poupança e sonha alimentando-se com a espera, daquele  encherá a vida de todos de esperança e alegria. Existem exceções, mas a maioria dos nossos “babys” são recebidos,  envolvidos em lindos lençóis e muita felicidade. O tempo  se encarregará  de  transformar em cidadão aquela criança indefesa.Brincar, estudar, aprender, crescer e amadurecer se transformando a cada dia. A  família que se preparou para o  primeiro nascimento, não percebe que em poucos anos haverá um segundo nascimento. Os anos passam  a menina  se transforma em mulher  o menino num homem, prontos para viver suas  vidas, fazer suas escolhas e caminhar com seus próprios pés. Um bebê ao nascer vai para o colo dos pais. É extremamente dependente, precisa de proteção, carinho e condições adequadas para a sua sobrevivência. Na segunda situação, seu nascimento será para o mundo. Sua casa já não é mais  refúgio,  é preciso sair  e buscar novos espaços. Acertar ou errar assumindo o seu papel de indivíduo e a meta a ser cumprida. Precisa descobrir quem é. Essa transição cria inúmeros problemas. Da mesma forma que escolheram os nomes, compraram sapatinhos e organizaram a casa para a chegada do filho, é necessário, organizar o lar, para uma convivência entre adultos. Homens e mulheres ocuparão o mesmo espaço. Desejos, anseios, necessidades embrulhadas em pacotes hormonais transformam os lares em campos minados. Até que todos consigam se reconhecer, as paixões explodem. No despertar da adolescência está a necessidade de entendimentos entre pais e filhos. Criam-se incertezas de ambas as partes. Surgem necessidades de reformular e recriar verdades. Conceitos são abalados. A transição da criança em adulto é um novo nascimento, um renascimento. A qualidade dos vínculos afetivos, construídos até aquela data; sofrerá uma releitura. É na solução dos conflitos, que acontece esse parto, do qual nascerá um ser humano, que seguirá pelo mundo voando como um pássaro deixando o ninho vazio.
Edison Borba - Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

sexta-feira, 29 de julho de 2011

PALAVRAS PESADAS

Foi com muita tristeza, que li – “Cielo decepciona”. Realmente nosso país ainda tem uma longa caminhada até conseguir se livrar do ranço colonialista. Para nós, só conta o primeiro. Os outros são perdedores. Lamentavelmente, nossos atletas, recebem os louros apenas quando estão no topo do pódio. Medalhas de prata, bronze, quarta ou quinta colocação são descartadas como chinelo velho. Nossos jornalistas precisam ter mais cuidado com as “palavras pesadas”. Decepciona, porque não trouxe o tão esperado ouro? Essa e outras observações deixam claro que somos influenciados por outras culturas. O melhor é sempre o que vem de fora. Melhores vinhos, roupas, atletas, alimentos e seres humanos. Sabemos das nossas dificuldades, das nossas mazelas e dos nossos problemas. Por  esse motivo,  precisamos enaltecer os bons. Nosso esporte de Maria Esther Bueno, Ayrton Senna, Guga, Diego Hypolito, Oscar, Daiane, Hortência, Paula entre outros que brilharam e ainda brilham no vôlei, no basquete, no futebol de salão, no judô, no atletismo e nas mais variadas modalidades, não “decepcionaram” mesmo quando não ficaram em primeiro lugar. Precisamos valorizar os bons brasileiros, não só no esporte, mas nas artes, na música, na literatura além de outros segmentos, para  que os nossos jovens acreditem que há um lado bom do Brasil. Existem brasileiros que através do seu trabalho, esforço e dedicação sustentam essa nação. Precisamos ter cuidado com as “palavras pesadas”. Esse aviso, não cabe apenas ao mundo jornalístico ele também vale para professores, pais, empresários, médicos,  patrões e muito mais. Pessoas não são máquinas.   Muitas vezes sem  darmos conta destruímos sonhos, interferimos na criatividade, colocamos obstáculos que impedem o crescimento saudável de um cidadão. Parabéns aos  atletas que estão competindo nas mais variadas modalidades esportivas. Parabéns aos para-atletas que nos ensinam o valor da competição e superação. Parabéns aos brasileiros que através de seu esforço sobrevivem apesar de ouvir constantemente “palavras pesadas”.
Edison Borba - Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A MAÇÃ ENVENENADA

Linda e talentosa. Rainha das telas e palcos. Encantadora.  Sua beleza se confunde com a arte. Muitas vezes o texto perde para o rosto, os cabelos e o corpo. Apesar de tudo: fama, amores e dinheiro a solidão é sua companheira. Quando as luzes se apagam não sobra muita coisa. Um vazio toma conta de sua vida. Um apartamento lindamente decorado. Tapetes, cortinas, poltronas, espelhos, mesas, cadeiras e silêncio. Um caminhar sozinha, como se estranha fosse, em seu próprio lar. Onde estão as vozes, os risos, os amigos e os amantes? Um cigarro, um  copo e uma vontade de chorar. Lágrimas mancham a maquiagem e o lindo rosto se contrai em dor. Silenciosamente chora. As dores da alma são difíceis de curar. Sempre vivendo personagens corajosas, ela sucumbe cortada por uma navalha na carne. A linda miss Brasil, de muitos amores não conseguiu construir laços de família. Seu insensato coração, sempre a conduz por caminhos que a levam ao pânico. Nem amor nem poder, essa deusa loura de olhos azuis é carente demais, linda demais, sensual demais e tudo isso a torna doida demais. Beijos apaixonados na tela constroem a imagem de uma super fêmea. Mas ela é apenas uma mulher! Com o coração repleto de ternura e bondade. Uma linda mulher! A cinderela que se perdeu no baile e não conseguiu encontrar um verdadeiro príncipe que a encantasse e a protegesse da malvada bruxa, que lhe entregou a maçã envenenada. Nenhum cavaleiro montado em  corcel branco conseguiu erguer para ela um lindo castelo, onde  pudesse viver feliz para sempre, como nos contos de fada!

Para Vera Fisher, com toda a minha admiração e carinho!
De Edison Borba







A MAGIA DO FUTEBOL ARTE

Independentemente dos times que estavam em campo, nove gols  fizeram a alegria da galera. Não vamos destacar nomes de jogadores. Todos fizeram o que tinha que fazer – JOGAR! Afinal de contas a profissão deles é driblar, chutar e quando houver condições fazer gols. É isso que a torcida espera.  Treinadores, jogadores, presidentes de clubes devem isso aos brasileiros. Dia 27de julho de 2011, um grande dia para o nosso futebol. Grande jogo, lindos dribles, excelentes cortadas. Lindas bolas voando sobre o campo e gols. Muitos gols. Os times em campo nos fizeram recordar os lindos jogos que esperamos ver na nossa seleção. Os 22 em campo cumpriram seu papel, independentemente dos salários. Os  bem pagos e os não tão bem, formaram um bloco uníssono que nos tiraram o fôlego durante noventa minutos. O juiz, e os bandeirinhas, apenas cumpriram suas tarefas. Apontar as faltas, direcionar as jogadas e apitar. Não houve agressões, brigas, disputas desleais. Um jogo digno do Maraca! Um jogo de seleções! Um jogo maravilhoso, que nos deixa envaidecidos, e felizes de sermos o País do futebol. Jogadas de mestre, que levaram os torcedores à loucura. Todo o estádio parecia encantado com o que se via em campo. Nove gols! Nove! Uma magia! Um vai-e-vem de passes, enlouquecendo a todos. Parecia até voleibol! Nada parecia resolvido antes do final do segundo tempo. Corações disparados na expectativa do que poderia acontecer. Os craques realmente vestiram a camisa, não dos seus times, mas a camisa do futebol arte. Não houve superioridade, entre os adversários. Houve apenas quem marcou mais gols. Ambos, Flamengo e Santos merecem nosso aplauso. Quanto aos craques, parabéns! Cumpriram suas obrigações para com aqueles que os prestigiam, aplaudem, sofrem e torcem por vocês, não apenas como atletas, mas como homens honrados que sabem dignificar a camisa do nosso futebol.

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE.


LA NAVE VA

Creio que a idade está me tornando uma pessoa mais covarde ou mais sensível. Ultimamente me vejo fugindo das emoções.
Esqueço (propositadamente) o aniversário dos amigos. Faço caminhos tortuosos, para não passar por determinadas ruas e praças e assim  não recordar  situações e pessoas queridas.
Não pensem que estou recluso. Claro, que não! Eu continuo trabalhando, freqüentando  programas , participando de seminários, organizando atividades. Faço tudo isso e muito mais. Envolvo-me com muitos afazeres ao mesmo tempo. Creio que é para não sentir o tempo que avança gradativamente. O meu espelho  é um amigo implacável. Ele mostra meu rosto todos os dias. Nada me escondendo.
Tento reter na minha cabeça, imagens que fizeram parte de um mundo  que não quero perder. Os antigos amigos, os longos papos pela madrugada, as tardes nos cinemas, os amores, os segredos, as caronas e os intermináveis cafés.

Houve época em que eu quis salvar o mundo. Passeatas, assembléias, discursos inflamados faziam parte do cotidiano. Esperanças em mudar o país estavam nas músicas e nos festivais. Caminhar contra o vento, junto com os Mutantes e os Novos Baianos, dava uma sensação de luz no fim do túnel.
O violão quebrado em cena deixava claro que algemas podiam ser rompidas. A sociedade viu em Sérgio Ricardo um paladino. A voz de Vandré no maracanãzinho foi um hino a liberdade. Andanças pelo mundo num domingo no parque tornaram-me um cantador. Um  sabiá voa sobre a BR3, enquanto Carolina debruçada na janela espera a banda passar.
No cinema Bergman e Passolini entre tantos outros nos faziam pensar, refletir e imaginar os mistérios de uma “dolce vita” traduzida pelo biquíni usado por Leila Diniz, desafiando o mundo com sua gravidez.

O tempo passou deixando marcas em meu corpo que exibo com felicidade, como troféus de batalhas vencidas. A vida continua. La Nave Va!

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE                                            ------------------------------------------------------------------------

quarta-feira, 27 de julho de 2011

MEU LÁPIS - MEU AMIGO

Escrevo no silêncio do meu pequeno apartamento. Num cantinho pouco iluminado, cercado de livros, canetas e lápis. Em frente à tela do computador, vejo surgir  histórias, que meus dedos constroem com as letras do teclado. Digito rapidamente, fui operador de telex e sou diplomado em datilografia.  Aprendi a escrever com lápis, passei pela caneta tinteiro, cheguei até a esferográfica. Das teclas da máquina Olivetti até as redes internéticas,  um longo caminho percorrido. ASDFG, espaço, ASDFG, espaço:   foi  primeira experiência com a datilografia. Cadernos de caligrafia  companheiros  longos anos. Era necessário ter letra bonita e legível. Para fazer as lições escolares, caderno deitado. Papel almaço pautado em dias  de prova. Caderno  de desenho para ensaios de arte. Lápis preto, borracha e apontador, tudo bem arrumado dentro do estojo. Os coloridos eram lindos: azul, verde, amarelo, vermelho, verde e marrom sempre meus favoritos. Um arco-iris. Risca e rabisca. Escreve e apaga. Pinta e desenha. Régua, transferidor e compasso. Retas, curvas e círculos. Esquadros, quadrados e losangos. Figuras geométricas. Paralelas, vão se encontrar no infinito. Girando o compasso em 180 graus faço a metade de um círculo. O globo terrestre é redondo. Os Faraós dormem nas pirâmides. Conceitos aprendidos na escola aplicados na vida, guardados na mente. Apontar o lápis. Rodar o apontador e ver o pó da madeira  e o grafite cair fininho e cristalino. Experimentar a ponta na bochecha sentindo o prazer do furinho. Calo no dedo de tanto escrever. Fazer cópias de livros. Desenhar colorir. Um dia usei tinta guache. Depois foi o nanquim. Traços finos, mão firme. Não podia tremer nem borrar. Caderno de música para  as claves: de sol, de fá e de ré. Fazer tudo arrumadinho para depois solfejar. Mapas coloridos destacando as regiões. Em baixo fica o sul. Em amarelo o nordeste. E cima, bem verdinho  a região norte. Os rios são azuis. As montanhas mais escuras. Oceanos não são mares, mas, suas águas são salgadas. Pinta e colore com muito cuidado. Não deixe a folha sujar. Mão com gordura deixa marca. Fica pra sempre manchada a folha com lindo desenho. É com letra de mão? Posso escrever de imprensa? E quando a palavra for grande, posso separar as sílabas?  De um lado vermelho e do outro azul, assim era o lápis bicolor. Lindo! Mais moderno e mais chique eram as multicores, canetas ponta azul, vermelho e verde. Um luxo a ser exibido. Usando o computador, nem preciso mais pensar. Tem marcador que organiza, separa letras e avisa, quando for pra consertar. Meu dicionário é o  Google é nele que vou pesquisar. Digita e sensibiliza. Copiar e colar. Põem em negrito e sublinha. Escolhe o tipo de letra e faz a margem perfeita. Escrevendo no silêncio sonho com meus estojos, tintas,  canetas e lápis. No teclado uso as letras que formam textos e histórias. Saudades do meu compasso, do meu lápis bicolor, dos desenhos e rabiscos, das paralelas compridas que no infinito da vida  um dia irão se encontrar.

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

terça-feira, 26 de julho de 2011

O XIS DA QUESTÃO

Xavier, apesar de ser um indivíduo xendengue, vivia xeretando a vida dos seus vizinhos. Na chácara onde morava, só cultivava xiquexique,  mudas que ele trouxera do nordeste, algumas xiridáceas, pelas flores espigadas e xixás, cuja madeira ele comercializava entre os madeireiros da região. Na varanda de sua casa, sua esposa Xênia, mantinha lindas samambaias em vasos de xaxim. A vida do casal era tranqüila, limitando-se a jogos de xadrez, nas tardes de sábados e a dançar a xarda ou a xiba, dependendo se recebiam, nas noites de domingo,  amigos húngaros ou portugueses. Na ocasião preparavam xerelete com arroz e brócolis e bebiam xícaras de uma xaropada, cuja receita D. Xênia havia recebido de alguns índios xavantes, que habitavam a cidade de  Xanxerê. A companheira de Xavier era antropóloga, e durante muito tempo viveu entre os indígenas, estudando seus hábitos e costumes. Conhecia bem a história dos xacotéus, xacriabás, xoclengues, xacamecras, xopotós, xambivás, xontaquiros, xucurús, xavajés e  xirianás entre outras nações. Sua brasilidade muitas vezes era exagerada, havendo até um pouco de xenofobia em suas ações. Porém, ela sabia disfarçar sua aversão, nunca dando margem a pagar xabu na presença de convidados. Mesmo com todo esse amor pelo Brasil, era adepta do xamanismo, cujo ritual aprendeu quando viajou pela Ásia. O casal Xavier e Xênia era uma dupla de xixilados, ela esnobando com as suas antropologices e ele um xucro, um xereta, um xacoco. O cotidiano do casal sofreu mudanças, desde o dia em que eles hospedaram um xabregano recém chegado de Lisboa. O franciscano chegou à chácara, um tanto xambregado, o que causou certo espanto em Xavier. Montado num cavalo coberto por um xairel, o religioso trouxe de presente para D. Xênia, um lindo xale tecido em xadrezinho de várias cores. Diante de tanta gentileza, prepararam um copo de xarope quente, bem xaporoso, para curar a xumberga do visitante e a seguir serviram um delicioso xiró. Após acomodarem  o andarilho em um dos quartos da casa, o casal sentou em torno da mesa para um joguinho de ximbica, mantendo o seu xerimbabo perto deles, para avisá-los sobre qualquer situação estranha que pudesse acontecer. Enquanto jogavam, conversavam sobre o estranho visitante, que chegara até eles montado num ximbo: - qual seria a verdadeira identidade daquele homem ximbeva, ximbute e xibimba? Seria  portador de alguma xiloidina? Adepto da xilolatria ou era um xiita? Havia a possibilidade  de estarem hospedando um xingaraviz. Diante de tantas dúvidas resolveram investigar. Na mochila do estranho, encontraram alguns xenxéns e xelins. Uma xipoca e uma xerografia, na qual estava atestado um caso de xerofagia complicado por xeroftalmia e xerasia. Penalizados com a situação, mas ainda com receio de estarem hospedando alguém perigoso, Xênia recorreu a xilomancia,  prática que ela aprendeu nas suas andanças pelo Brasil e apelou para Xangô, entidade de sua total confiança. Jogou pauzinhos, fez orações e recebeu a informação que eles estavam recebendo um Xamã. Felizes com a revelação, Xavier e Xênia, adotaram o estrangeiro, que juntamente com a  xuri e o ximango, se tornou o xodó da casa. É tratado como um verdadeiro Xá, soberano da Pérsia, e mais paparicado que um Xeque árabe. A felicidade do casal aumentou, quando ficou provado que o estranho era xará do Xavier. Essa descoberta foi o xis da questão!

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

QUASE DA FAMÍLIA

Ela é quase da família, expressão  muito usada para designar a empregada doméstica. São as Marias, Toinhas e Zezés entre tantas  que sobrevivem espremidas em pequenos quartinhos, no fundo dos apartamentos ou das casas luxuosas. Prestadoras de serviço, identificadas por seus uniformes e convocadas a servir às famílias, obedecendo ao estridente som dos sininhos. Empregadas domésticas, domesticadas, amansadas e domadas pelas regras de algumas patroas inescrupulosas. Silenciosas, deslizam pelas casas, sem se fazer notar. Lavar, passar, cozinhar, limpar sujeiras do chão e das almas. Testemunhas de dramas familiares circulam pelas tragédias e alegrias, sem poder se manifestar,  são quase da família.  Por suas vidas, quase não há interesse. Seus filhos valem menos que os dos patrões. Acalanta o bebê de quem lhe oferece emprego, enquanto o seu  chora por colo e  carinho. Guerreiras, lutadoras, batalhadoras viajantes dos trens, deixam sob os trilhos, a milhagem dos quilômetros percorridos para chegar ao  local de trabalho. Espanadores, vassouras, panos, produtos de limpeza e muita disposição, são  indispensáveis para essas mulheres que longe das academias, malham seus corpos muitas  horas por dia. Femininas, sedutoras, perfumadas pelos sabões em pó inebriam patrões machistas, que esquecendo as esposas,  buscam satisfação nas carícias da doméstica. Mundo complexo, confuso e complicado.  Vivem entre a cruz e a caldeirinha, ou melhor: vivem na corda bamba. Lutando para não perder o emprego, se defendem das investidas sofridas pelos  garanhões. Mas, tudo isso, está  mudando. Empregada doméstica, servidora do lar, trabalhadoras com ou sem carteira assinada, são profissionais que merecem o nosso carinho, respeito e consideração. Seus serviços são indispensáveis. Não existem máquinas capazes de substituí-las. Mãos encantadas nos presenteiam com sabores de suas delícias culinárias. Nossas casas perfumadas, roupas passadas e o silêncio de segredos são qualidades sem preço. Muitas vezes confidentes. Elas são quase da família, ou melhor, elas são da família. Ouvintes atentas, bondosas conselheiras são capazes de salvar vidas, amores e relacionamentos. Obrigado por  ser parte da minha vida. Obrigado por ser a minha família.

-  22 de julho, dia  da EMPREGADA DOMÉSTICA!


domingo, 24 de julho de 2011

SEGREDO DE CONFESSIONÁRIO

O pálido cadáver de Léo jazia sobre o tapete. Apesar do sangue em volta de seu peito, ele parecia bastante saudável. Quarenta anos olhos semicerrados,  barba bem feita, gravata italiana, camisa de linho, sob o terno Armani, emprestava àquele homem uma elegância única. Definitivamente não era um cidadão comum. Uma grande quantidade de policiais ocupava a rua, o prédio, a sala e a cena do possível crime. Jornalistas, fotógrafos e alguns curiosos circulavam pelos arredores deixando escapar palavras e observações aparentemente sem sentido, mas que revelavam aos poucos a imagem de Léo.  – Ouvi dizer que ele era gay – comentou um representante da imprensa. - Ele era homossexual – retrucou outro. O gracejo ocasionou alguns sorrisos e também o protesto de Helga, secretária particular de Leo. Nesse momento, o delegado de polícia adentrou a cena fazendo calar, as vozes que já começavam a se alterar. Solicitando a todos que se retirassem do recinto, Dr. Palmares, fechou e trancou a portado escritório. Delegado conceituado, em seus mais de trinta anos de profissão e sessenta de vida, era uma autoridade inquestionável. Colocou sua pasta sobre o sofá. Tirou paletó e reclinou-se sobre o morto. Sem tirar os olhos do rosto da vítima, sentia seu coração batendo com força. Estendeu seu braço direito, e tocando suavemente os olhos de Léo, cerrou-os de forma carinhosa. Sempre cauteloso  ao desempenhar suas funções de investigador, Palmares se arriscava, tocando em tudo sem observar cuidados que poderiam interferir nas evidências do caso. Sem luvas, ou nenhuma proteção, deslizava suas mãos sobre os objetos da sala. Era como se acariciasse o ambiente, com ternura e afeto numa despedida dolorida. O silêncio dominava a sala, apenas ruídos vindos de fora, teimavam em penetrar no sagrado local da tragédia. Nenhuma pista ou sinal de luta podia ser observado. Tudo se encontrava rigidamente em seu devido lugar. Palmares sabia exatamente o local de cada livro, estátua, quadro, cadeira e até mesmo dos pequenos objetos: canetas, lápis e agenda, que Helga mantinha  intocáveis, conforme os desejos de seu querido patrão. Angustiado, Palmares, afastou-se do corpo e sem erguer os olhos, caminhou até a porta. Mas esforçando-se para cumprir a sua tarefa, retornou ao sofá, deixando-se cair sobre as almofadas. Era ele,  Léo e as lembranças fechados naquele ambiente. Na noite anterior, havia estado ali naquele local. Estava feliz e como um menino sonhara com um mundo de amor, capaz de compreender  sua escolha, sua vida e seus desejos.  Após a saída da secretária, os dois passaram momentos agradáveis: música, vinho e a companhia um do outro; aquecera mais um dos seus  encontros. Através da janela, uma chuva miúda podia ser vista. Aos poucos a tarde  se tornava fria e úmida. Do lado de fora, podia-se perceber o agito do pessoal, estranhando a demora do delegado. Palmares sabia que precisava agir depressa. Jamais poderia trair o segredo que o unia àquele homem. Celular nas mãos, lágrimas deslizando pelo seu rosto, conversou demoradamente com alguém, que lhe emprestou confiança e coragem. Um sacerdote aguardava o delegado no corredor do edifício. Os dois caminharam lado a lado sob a fina chuva. Léo continuou no tapete com o sangue ao redor de seu corpo. O mistério, os valores e a dignidade dos personagens preservados pelo segredo de confessionário.
Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE.

sábado, 23 de julho de 2011

PARA AMY WINEHOUSE

Uma mulher. Uma  menina. Uma criança.

Mulher no palco. Menina assustada. Criança perdida.

Patinho feio. Pássaro canoro.

Guitarras e sons. Bebidas e drogas.

Músicas e shows. Escândalos e tristeza.

 Sensibilidade. Fragilidade. Talento.

Alegria  forçada. Droga malhada. Saúde abalada.

 Sob as luzes brilha e inebria.

Reflete magia.

Em seu corpo tatuado, mensagens e segredos.

Na barriga uma âncora.  Olá marinheiros!

Braço esquerdo, ferradura. Crença na sorte.

Evita a morte. Promove o sucesso.

Menina do papai pede socorro.

Precisa de ajuda, de colo, de apoio.

Forçada a cantar, ao mundo brindava

Sua rouca  voz,  melodiosa e jazística.

Embalava amores com o seu sofrimento.

Braço direito um pássaro, uma frase, um destino

“Nunca amarres minhas asas”

Voe querida Amy,

Para além do infinito,

Mostre seu brilho no céu

Seja feliz!  És um anjo!

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

sexta-feira, 22 de julho de 2011

VIAJAR FOI PRECISO

Durante alguns anos, para atender a compromissos profissionais, viajei pelo Brasil de norte a sul e de leste a oeste. Viajar foi preciso, para que eu pudesse descobrir os Brasis que existem no Brasil. Como educador revi  e mudei conceitos. Imagens construídas a partir da leitura de romances, poemas e reportagens foram se desfazendo gradativamente da minha cabeça. De avião, ônibus, carro, barco, caminhonete, boléia de caminhão, canoa e muitas vezes a pé, cheguei a regiões que não fazem parte dos  tradicionais roteiros turísticos. Nunca imaginei que pudesse haver escolas funcionando em lugares tão diferentes daqueles que eu habitualmente conhecia. Em cada localidade visitada, encontrei professores, brasileiros como eu, que apesar de todas as diversidades, teimavam em manter suas atividades pedagógicas de forma digna. Mesmo sem apoio pedagógico, nem material especializado, as aulas desses heróis  exibiam criatividade. Apesar das situações desfavoráveis, tristeza não fazia parte  do convívio do seu programa escolar. Por mais simples que fosse o espaço, havia sempre algo colorido a estimular a garotada. Nas salas improvisadas, a alegria  era parte obrigatória das atividades e o processo educativo acontecia de forma adequada. Minhas observações,  detiveram-se nessas pessoas, diferentes – os professores. Não me refiro aos que conhecemos nas grandes cidades,  formados por instituições superiores, portadores de diplomas e títulos. Os pomposos, titulados e titulares, que trancados em seus saberes acadêmicos, perdem a consciência do seu compromisso com a sociedade.  Minha atenção é para aqueles que conseguem transformar sonhos em realidade. Os grandes  transmissores de saber. O perfil destes brasileiros é de otimismo, coragem, criatividade, tolerância e paciência. Não são alienados, conscientes de suas funções, conseguem manter a ética no ato de ensinar. São homens e mulheres inovadores e empreendedores, que mesmo sem dispor das modernas  tecnologias educacionais, não perderam o senso crítico e a capacidade de perceber as diferenças sociais vigentes em nosso país. Não são pessoas tolas ou de postura sacerdotal, são orgulhosos professores que sabem fazer a diferença. Apertados em pequenas salas, sob a copa de árvores ou atuando em escolas inundadas pelas cheias dos rios. Enfrentando forte calor, ou em temperaturas muito baixas, essa gente trabalha. Existe uma força genética, que os fazem mutantes na luta pela melhoria das condições de vida em nosso país. Eu que freqüentei grandes centros universitários, e que durante anos acreditei, que sem material didático pedagógico adequado, não conseguiria transmitir aos meus alunos os difíceis conceitos educacionais, me surpreendi diante desses mestres.  Sem dúvida, é produto genético! Acredito que sem esse fator seremos apenas diplomados ou profissionalizados, porém faltará aquele  algo a mais que faz de um simples cidadão, um artista. Os portadores desse dom, são lutadores incansáveis, formam um grande exército que é imprescindível na manutenção da hegemonia brasileira. Estão espalhados em todas as regiões. Apresentam-se sob as mais diferentes características físicas e sociais. Contracenei com eles, neste imenso teatro brasileiro. Contracenei mesmo! Troquei informações e aprendi o que é ser brasileiro.

Edison Borba – Professor / Coordenador do PINCE

DOMINGO

Sol brilhando, brisa suave,  mar azul, água morna e céu de brigadeiro. É domingo, de um dia de verão. Carioca não gosta de dias nublados, reza pra não chover e ama fins de semana na praia. Depois de uma semana de trabalho o  lugar mais democrático do mundo é a areia. Olhar as ondas num vai-e-vem ritmado e monótono é terapia Freudiana que relaxa e inebria. Acalma e ajuda a manter o equilíbrio restabelecendo as forças dos habitantes da cidade maravilhosa. Na imensidão do areal não há distinção de raça, cor, religião, profissão ou qualquer outra condição capaz de se transformar em preconceito. Alguns vieram de carro, outros de bicicleta e a galera da integração ônibus-metro, se misturam sob as barracas coloridas. Corpos magros, gordos, barrigas de tanquinho ou de chopinho, celulites e silicones buscam o melhor bronzeado. Ambulantes alardeiam seus produtos: água-de-coco, pastéis, biscoitos e mate gelado. Crianças correm, atletas praticam frescobol e os mais afoitos se exibem em mergulhos olímpicos. Castelos de areia são construídos por mãos infantis e habitados por fadas e princesas. Porém, nesse plácido domingo carioca uma onda se formou. Não uma onda marítima, daquelas que os banhistas esperam para “furar”. Sem que ninguém soubesse como ou porque, ela avançou sobre tudo e todos, num sentido contrário ao balanço do mar. Levando de roldão o sol, o domingo, os risos, os sorvetes, os castelos e principalmente a felicidade. Uma onda social, humana, gigantesca, pior que o tsuname destruiu os sonhos de um domingo de verão. Era o arrastão levando meus sonhos de domingo, como o chinelo de um velho leva em sua sola, quando o  pé de ancião se desloca pelo chão, deslizando sofregamente levando o pó e levando também a saudade dos seus dias de juventude. Como uma madrasta má, arrasta uma criança que não é seu filho, mas apenas uma criança que não ama. Era o arrastão que impeliu, conduziu, atraiu a multidão vadia, ao local do mar e, para imitá-lo, formou uma onda, que não molhou o corpo, mas os olhos dos que sofreram a perda da paz. Era o arrastão de longos anos de vida, que arrastada pela miséria conduz ao crime o cidadão faminto. Era o arrastão daqueles que vêm o tempo passar, se arrastando em horas de espera. Espera sem tempo, sem alento, dos que não tem porque esperar, e ainda teimam em viver, em filas de espera na vida sofrida dos que nada tem a perder. Era o arrastão do medo, da fome e da insegurança. Do hábito de viver mal, o mau viver num domingo de sol.

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

quinta-feira, 21 de julho de 2011

SALVEMOS AS BALEIAS, MAS ...

Ecologicamente, podemos afirmar que os oceanos estão para as baleias, assim como as escolas estão para as nossas crianças. As águas salgadas, são o habitat natural deste  mamífero que além da poluição, sofre as ações de caçadores inescrupulosos. Portanto, temos que lutar para que a nossa cadeia ecológica não seja quebrada. Habitat é o local onde uma espécie, animal ou vegetal, realiza  ações bioquímicas que garantem a sua sobrevivência de forma equilibrada. Os oceanos e as escolas são espaços diretamente relacionados com a vida em nosso planeta. Para os cetáceos, as águas salgadas e para as nossas crianças, as salas de aula. Com a efervescência da vida moderna, nossos descendentes, estão sendo colocados em espaços educacionais, cada vez mais cedo. Bebês com poucos dias de vida, já exibem agenda onde compromissos são seguidos, obedecendo a uma rotina, de fazer inveja a muitos executivos. Desta forma, nossos filhos criaram uma dependência com os espaços educacionais, semelhante às baleias; com as águas oceânicas. Infelizmente, o quadro não é bom para os seres aquáticos e nem para os terráqueos. Analisando as unidades escolares, desde aquelas que abrigam nossos infantes, até as maiores universidades, verificamos uma situação pouco agradável. Questões pedagógicas pouco recomendáveis, sendo realizadas em prédios, salas e espaços  inadequados ameaçam  o saudável desenvolvimento das nossas crianças e jovens. É necessário, manter o foco da questão no que chamamos de habitat. Quando analisamos uma sala de aula sob a perspectiva de um ecossistema, observamos espaço inadequado para a realização das  mais simples reações metabólicas. Local pouco ventilado, mal iluminado, e com temperaturas instáveis ocupado por grande quantidade de seres que tentam sobreviver e aprender regras, conceitos e fórmulas. O excesso de seres leva a competição e ao desequilíbrio populacional. Poluição espacial, espécie ameaçada e aprendizagem prejudicada. Salvemos as baleias, mas, não podemos esquecer a nossa descendência. O perigo aumenta proporcionalmente ao tempo passado nesses espaços inadequados. Precisamos despoluir os oceanos e as escolas. Para a construção de uma descendência inovadora e criativa é necessário cuidar para que as reações orgânicas e psicológicas  dos  nossos alunos aconteçam em ambientes saudáveis, limpos e livres de ameaças. Ter liberdade para desenvolver potenciais  implica em crescer equilibradamente. Cada órgão, principalmente o cérebro, necessita de estímulos adequados acontecendo no momento certo. Não existe metodologia pedagógica capaz de superar a ausência de condições ambientais favoráveis. Salvemos as baleias, mas não podemos esquecer as nossas crianças. Fazemos parte de uma intrincada cadeia ecológica, onde todas as espécies são interligadas por tênues laços bioquímicos. Nossos oceanos e nossas escolas estão em perigo. Salvemos as baleias mas ...

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

quarta-feira, 20 de julho de 2011

ADOÇÃO - UM ATO DE AMOR

Aqui  no  Brasil, talvez mais do que  em outros países, existe uma dificuldade para assumir publicamente a questão da adoção. Muitos casais tomam essa atitude para resolver e satisfazer seus sonhos e desejos pessoais. É necessário compreender que é a criança que precisa de pais. A decisão de adotar é um passo em direção ao amor e ao afeto. Vivemos numa sociedade em que existe uma extrema valorização da família biológica em detrimento da família social. Essa situação tem sido responsável não só pela dificuldade em se fazer uma adoção consciente e pública, como também está afetando as famílias biologicamente formadas. Os pais precisam ser heróis modernos provendo seus lares de artifícios materiais, deixando em segundo plano o carinho, a conversa, a compreensão e a verdade. Em se tratando de adoção, os familiares além de tudo isso, na luta para manterem o segredo, acabam cometendo erros que se refletem em toda a estrutura familiar. O medo do preconceito, dos olhares enviesados e dos comentários maliciosos  acabam prejudicando a naturalidade do relacionamento familiar, abrindo espaço para as mentiras fantasiosas. Criar histórias sobre a gestação, inventar respostas duvidosas, são caminhos perigosos. O receio de ouvir: - “vocês não mandam na minha vida”, faz com que os pais adotivos mergulhem profundamente num poço sem fundo. O universo da adoção pode ser mágico, se for vivido em sua realidade. Fantasias são feitas para durarem apenas nos carnavais  e nas festas. A vida é longa. As relações familiares não são passageiras. Lares construídos nesse clima; terá um desfecho de quarta-feira de cinzas. Lares adotivos, muitas vezes, propiciam melhores condições de relacionamento, do que os biologicamente formados. Filhos, adotivos ou biológicos, não podem ser  propriedade. O desenvolvimento humano se faz para o mundo. Toda criança possui, capacidade de aprender,  necessita apenas ser estimulada, orientada e cuidada. Numa relação  parental biológica, as diferenças que nos tornam únicos, podem ter ramificações que lembrem tios, avós, primos além dos próprios pais. Mas em se tratando de adoção, essas peculiaridades tornam-se infinitamente reduzidas. Portanto, adotar tem que ser um ato de amor. É preciso ter consciência das diferenças que irão se acentuar com o passar dos anos. Elas não podem ser entendidas como sinais de “perigo” no caminho da descoberta do segredo. Se a relação familiar for construída em bases verdadeiras essas ansiedades não afetarão o equilíbrio emocional do grupo. Adotar é uma atitude que deve ser comemorada. Os pais adotivos devem comunicar sua atitude a todos os parentes e amigos. Enfeitar a casa com flores. Enviar cartões manifestando a felicidade de acolher uma criança. Deixar evidente, que não se adota por pena ou compaixão, a adoção é construída por afeto – é um ato de amor.

Edison Borba – Professor / Coordenador Pedagógico do PINCE

terça-feira, 19 de julho de 2011

MERGULHO

Estou deitado no chão, mas não estou dormindo. Mergulhado num estado de torpor físico e mental, flutuo no mundo alucinógico das drogas. Sonho com minha mãe na janela acenando pra mim. Corro pelo jardim, me escondendo atrás das árvores. Fugindo do seu olhar atento, um dia absorvi uma pequena porção mágica que me encantou. Descobri um mundo novo, encantado e colorido. Como Alice, conheci o País das Maravilhas. Montei num cavalo alado. Suas asas de cristal cintilavam sob o brilho do sol.  Colhi morangos, amoras e rolei no verde gramado abraçado em meu cachorro. Viajei até a montanha das neves eternas. Fui esquimó, deslizando em um trenó, puxado pelas renas do Natal. Uma viagem incrível, longe do mundinho onde sempre vivi. Ninguém para me dizer: - não pode! – não é permitido! Estou livre, completamente livre! Agora navego num barquinho de papel, descendo pelas águas turbulentas de um rio, sinto-me herói. Sou invencível. Sou poderoso. Os adultos não sabem o quanto os jovens precisam de liberdade. Não tenho receio. Voando, atravesso as ruas da minha cidade. Entre os edifícios faço cambalhotas e subindo pelas paredes sou o Homem Aranha. Não tenho vergonha e nem vou pedir desculpas, estou liberto. Sou um colibri, voando entre as flores de um lindo jardim. Sou coelho e caçador. Sou o quero ser. Sou o que me fizeram ser. Não sou careta, estou numa boa, na moda da droga. Meu corpo treme e o suor escorre pelo meu rosto. Meus pensamentos estão confusos e uma nuvem negra paira sobre a minha cabeça. Vejo minha mãe acenando pela janela. Tento alcançar sua mão, mas não consigo. Estou sufocando. O “admirável mundo novo” se esvaziou. Estou sozinho. Minha visão é confusa e não consigo distinguir as imagens  que dançam ao meu redor.  Meu corpo queima. Não consigo respirar. Grito desesperado. Minha voz está presa em minha garganta. Quero  brincar no jardim da minha casa. Preciso dos meus amigos. Sinto falta da escola. Vejo minha mãe suplicando para eu voltar. Estou tentando, mas não consigo. Aquela mágica viagem transformou-se em pesadelo. Tento afastar os maus espíritos, mas eles estão agarrados em mim. Imagens perturbadoras circulam em meu corpo levadas pelo meu sangue. Minha vitalidade diminui. Estou me afogando no mundo das porções mágicas. Já não sinto mais dor. Aos poucos a excitação diminui. Meu corpo para de tremer. Estou calmo. Estou dormindo. Coberto por  negro véu, no rosto  de minha mãe, uma lágrima.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

CONFISÕES DE UMA BOLA DE FUTEBOL

As pernas tortas do Garrincha, a força do Pelé, a destreza do Rivelino,  a canhota do Gerson, a elegância do Tostão e tantas outras lembranças me trazem uma enorme nostalgia. Zico, meu galinho de Quintino, como ficava  feliz quando você me  rolava pelo campo do adversário.  A galera em delírio me transformava em rainha. Eu passeando pelo campo, podia sentir as carícias das suas chuteiras. Meu coração acelerava, esperando o chute fatal, que me lançava pelo ar rumo às redes do time adversário. Fotos, gritos, delírios a fama! Lembro-me muito bem, quando o rei do futebol, o atleta do século, me impulsionou pela milésima vez para o glorioso gol. Todo o estádio tremeu de emoção. Eu, a redonda me senti a mais linda brasileira. Bons tempos! Uma saudade imensa daqueles gols de placa, de bicicleta, de fora da área, feitos com maestria pelos garotos de ouro do futebol arte. Fosse numa peleja de várzea ou num majestoso estádio europeu, eu brilhava nos pés dos meus príncipes guerreiros. Mesmo diante de algumas derrotas, o meu orgulho não se abatia. Sabia que meus meninos tinham lutado até a última gota de suor para conseguir a vitória. Mas  ficava corada de emoção, e até  acanhada;  quando um galanteador me beijava, diante de todo o público, em agradecimento ao gol. Era a glória! Eu sendo acariciada pelas mãos daquele herói. Nunca reclamei das pegadas fortes das mãos dos goleiros dos times rivais. Nem dos pontapés vigorosos, que me obrigava a atravessar todo o campo, acelerando um final de partida. Eu sabia da minha importância para os cavaleiros da távola futebolística. Mas, emoção mesmo, eu sentia quando chegava a hora de marcarmos um pênalti. Confesso que algumas vezes, sofria com medo de desviar a rota, de sair adiantada, de não conseguir chegar ao fundo da rede. Foram poucas às vezes em que isso aconteceu. Chorava junto com a torcida. Tentava consolar meu atleta, sempre conseguindo alguma desculpa. Foi o vento me desviou, foi fatalidade. Amanhã faremos melhor. Um dia, meu coração quase parou. No frio estádio europeu, conquistamos a copa do mundo. Foi em 1958, num lugar chamado Suécia. Bellini ergueu a taça levando ao delírio milhões de brasileiros. Naquele momento, apesar de estar explodindo de felicidade, me senti um pouco abandonada. Estava exausta, suja e bastante ferida. Tive ciúmes daquela peça de ouro, erguida no meio do campo. Eu fui recolhida e levada para o vestiário e sozinha comemorei a nossa vitória. Passados tantos anos, eu já não tenho tanto orgulho da minha profissão. Os heróis modernos, estão mais preocupados em manter seus topetes espetados, suas  camisas de marca e seus polpudos salários. Constantemente sou trocada por lindas louras que seduzem meus meninos com suas curvas de academia. Eu, a redonda,  fico abandonada e humilhada saio de campo sem ter conseguido uma vez, apenas uma vez, tocar a rede do adversário. Que saudades dos verdadeiros atletas! Quanta nostalgia nos corações brasileiros! Eu sofri muito na África, quando ao som das vuvuzelas, retornei para casa em silêncio. Pensei que voltaria a brilhar, aqui na América do Sul, nos pés dos  cavaleiros do moderno futebol. Envergonhada retorno ao Brasil com meu coração enlutado. Amanhã tudo será esquecido. Mulheres, dinheiro, contratos fabulosos, jantares, viagens e festas voltarão a fazer parte da vida  dos meninos que se acreditam de ouro. Saudades das pernas tortas do Garrincha, dos seus dribles fantásticos e das jogadas  dos verdadeiros mestres da arte do futebol.  Eu que ajudei o Brasil a ter grandes conquistas e a promover grandes espetáculos, me afasto triste e melancólica lembrando-me de um tempo que só existe em nossos corações.

domingo, 17 de julho de 2011

LIXO DA DROGA

Deitado num velho sofá,  coberto por panos dorme um menino, uma criança, um anjo. Não  deve ter nem dez anos. Pernas finas, andar cambaleante, caminha abraçado na cintura do soldado. Pela rua enlameada, ficam as marcas de seus pés descalços. Short verde, a cor da esperança, veste aquele corpo frágil. O que estará se passando na cabeça daquele garoto? Que pensamentos? Que sonhos? Que desejos? Que futuro estará reservado para ele? Imagino que há alguns anos flutuava no líquido amniótico da barriga da uma mulher. Um lugar agradável,  de temperatura amena, onde ficou protegido e alimentado por nove meses. Não importa se aquele lar pertencia a uma  negra, rica, índia, pobre, branca, letrada ou analfabeta. Lá havia aconchego e carinho. Balançava suavemente mergulhado naquele mar de calmaria. Como qualquer ser humano, seu corpo se formou. Célula a célula. Depois os tecidos e órgãos. Um embrião, depois feto e finalmente a natureza conclui a sua obra: um bebê! Menino nascerá e num homem se formará. A nação o espera como cidadão. Aprenderá a ler e a escrever. Terá uma profissão. Será eleitor. Amará muito. Talvez goste de música e arranhe uma viola fazendo serenata em noite de lua. Sua amada vai mimá-lo e acarinhá-lo, como fez  sua mãe nos primeiros dias de sua vida. Seus amigos o respeitarão e no futebol será o atacante. Muitos gols sairão dos seus pés. Palavras bonitas de sua boca. Será um pensador. Irá renovar sua comunidade. Poderá ser um empresário e ajudará muitas pessoas. Quem sabe  um operário e construindo prédios magníficos. Artista poderá ser o seu destino. Pianista, pintor, ator de teatro ou malabarista de circo. Um atleta, corpo malhado aplaudido a cada cambalhota.  Gostará de ler e  escreverá poesias. Nas festas será recebido com honrarias. Será embaixador. Um grande orador. Discursos empolgados em tribunas de palácios. Talvez a política seja a sua sina. Lutará pelo bem dos  pobres. Fará projetos. Um líder famoso e respeitado.  Um homem de bem. Um pai extremoso irá se revelar. Todos se orgulharão de tê-lo como amigo. Com o seu trabalho ajudará o seu país a crescer como uma nação forte e promissora que construirá usinas que farão a reciclagem do lixo. Menino das pernas finas, olhar perdido, corpo frágil e cabeça delirante, onde estarão os seus sonhos?  Achado no lixo, na droga do lixo. Um lixo que não foi reciclado. Amontoado nas calçadas serve de abrigo para meninos, que irão vagabundear pelo vale das sombras; imersos em medonhos pesadelos do lixo da droga, da droga do lixo.


sábado, 16 de julho de 2011

UM JEITO DE SER

Meu nome é Darcy, isso mesmo, Darcy com ypsilon. Não tenho complexos, ao contrário sinto-me feliz. Diferente de muitas pessoas, sinto orgulho daquilo que sou. Tenho grande capacidade de amar. Não tenho dúvidas sobre meus sonhos. Vou à luta em busca da realização de tudo o que imagino para minha vida. Procuro me guiar por exemplos positivos. Elegi como meus mestres, personalidades como Teresa de Calcutá e Ghandi. Não sei o que é pobreza e procuro não pensar nesse tipo de problema. Sempre pago meus impostos, cumpro com a minha parte; o governo que faça a dele – este é o raciocínio que sempre uso. Adoro freqüentar o mundo colorido dos shoppings, local onde as coisas ruins não entram. Em toda aminha vida estou sempre procurando me afastar do que não me propicie alegria e felicidade. Evito assistir os dramáticos programas de televisão  e não leio as notícias trágicas publicadas em jornais e revistas. Uma vez, quando voltava do aeroporto, vi com meus próprios olhos, e não acreditei que alguém pudesse viver naqueles barracos imundos e no meio do lixo. Fechei os olhos e me imaginei nas praias da Flórida. Já pensei em casamento. Casar por amor. Mas, quando penso nas divisões que terei que fazer, desisto rapidamente dessa idéia. Tenho tido boas e rápidas experiências afetivas. Às vezes penso em solidariedade, mas aprendi que tudo não passa de uma relação horizontal entre as pessoas. Num país como o nosso, ser solidário é ter a possibilidade, de melhorar, as custas dos problemas alheios. Estou sempre procurando ampliar meus horizontes e possibilidades, adequando minha vida aos sistemas que estão no poder. Não se trata de acomodação, muito pelo contrário, preciso estar sempre alerta para não ficar do lado errado da sociedade. Diariamente analiso as possibilidades. Meço os riscos para não tomar decisões que possam me prejudicar. Agindo assim, fujo das crises e mantenho uma organização pessoal e social que me permite assimilar apenas o que for do meu interesse. Nos momentos difíceis, procuro me isolar. Diálogo não faz pare da minha tática de sobrevivência. Não me exponho. Meus pensamentos são preciosos e divulgá-los seria correr risco desnecessário. Todavia, observo o mundo que me cerca, para poder angariar recursos e desenvolver valores que me permitam superar o que for inevitável. Sinto pena ao pensar no tempo que as pessoas perdem questionando e discutindo problemas que não sejam os seus. Considero-me uma pessoa sensível. Não, suporto contrariedades. Para mim, tudo é relativo. Insisto no bom senso e na prudência para não escorregar nas armadilhas sociais. Meu perfil se resume em ser uma pessoa simples. Meu nome é  Darcy, com ypsilon!


GILDETE - A GARÇONETE

Logo que iniciou a investigação, Mauro percebeu as dificuldades que encontraria para reconstruir os fatos. Em tudo o que já havia pesquisado, nada realmente consistente havia sido encontrado, eram apenas  informações superficiais. Dono de uma excelente memória, Mauro era capaz de reviver com bastante precisão, tudo o que teria acontecido. Esse, era o seu grande trunfo, sua memória! Já havia trabalhado em outros casos, e conseguira chegar à solução, mesmo quando a trama se mostrava absolutamente impossível de ser desvendada. Em sua mesa de trabalho, acumulavam-se documentos, entrevistas feitas com pessoas envolvidas, algumas fotos,  rascunhos, rabiscos e anotações feitas por ele, na tentativa de obter uma linha que o levasse a solução daquele problema. Após dois anos de intensas investigações, o caso continuava sem ser resolvido. Ao contrário do que já ocorrera na sua última investigação, que em pouco tempo os implicados já estavam respondendo pelos delitos cometidos. Outra questão, que também era um impecilho para agilizar a solução,  era a falta de dinheiro. Não havia verba para empreender viagens, utilizar o correio e a conta de telefone ficava cada vez mais alta. Se ele pudesse contar com a ajuda de um estagiário, sem dúvida muitos pontos poderiam ser esclarecidos de forma mais rápida. Mesmo enfrentando todos esses obstáculos, Mauro sabia da sua responsabilidade. Havia um compromisso ético, assumido com a sua consciência, que nada o impediria de solucionar mais esse caso. Pontualmente, às 23 horas, ao virar a cabeça  em direção ao armário que ficava do lado direito da sua escrivaninha, reparou em uma pilha de papéis, jornais e revistas, que estavam ali, desde o início das investigações. Por ser canhoto, Mauro pouco se voltada para o que ficava à sua direita. Nesse instante ele sentiu algo estranho percorrendo o seu cérebro. Lembrou-se que no dia do acontecimento,  às onze horas da noite, recebera  através de seu telefone particular, o pedido para cuidar daquele caso. Coincidência, ou não, Mauro levantou-se e caminhou até aquela empoeirada pilha de papéis. O que mais o intrigava, era o fato de nunca ter percebido que muitas informações poderiam estar contidas nas páginas daqueles jornais e revistas. Foi nesse clima, que aleatoriamente apanhou um jornal, e sem olhar a data, viu estampada na primeira página, aquela foto. Imediatamente, sua boa memória foi acionada, para o noticiário, que ouvira numa rádio, exatamente no dia e hora que seu telefone tocou, e uma voz solicitou os seus serviços. Tanto o jornal como a rádio informavam sobre o mesmo incidente. A foto  exibia uma multidão , aparentemente excitada, avançando por uma rua. A voz do jornalista na rádio era inflamada e nervosa, ao dar a notícia. Havia uma conexão entre a foto e a voz. Agora era o momento de juntar as duas situações e tentar reconhecer naquele velho informativo, algo que pudesse levá-lo a alguma solução. Simultaneamente ao seu trabalho de investigador, Mauro mantinha um romance com a garota do bar onde diariamente tomava o seu cafezinho. Foi com o amarelado jornal nas mãos e na cabeça a voz  do radialista, que Mauro lembrou-se da Gildete, a garçonete. Deixando sobre a mesa o informativo e assoviando uma canção, fechou o escritório, adiando por mais um dia a solução daquele caso.




O RELIGIOSO

Gedeão era  extremamente religioso. Assistia missas diariamente, antes ou depois de trabalhar. Confissões e comunhão pelo menos uma vez por semana. Entre seus irmãos e irmãs era o mais cumpridor dos dez mandamentos. A cada dia se revelava mais temente às leis divinas. Aos 48 anos acreditava ter feito o melhor que um ser humano poderia ter feito. Era casto, puro e limpo por dentro e por fora. Nunca provou de bebida alcoólica, evitando até os bombons com recheio de licor. Usava roupas discretas. Cigarros, nem a fumaça expirada pelos usuários e  quanto às comidas, evitava àquelas ditas afrodisíacas. Tinha medo de sonhar com coisas impuras, que segundo algumas informações obtidas sigilosamente, eram causadas por temperos fortes. Não se tornara vegetariano por ter problemas com os pepinos e as cenouras. Segundo ele, esses legumes o faziam ter certos pensamentos pecaminosos. Até mesmo, alguns termos ele evitava usar, como: quero comer carne, gosto de lombo e aprecio uma lingüiça. Se o assunto era castidade, Gedeão radicalizava. Para ele, pureza era algo para a qual não havia meio termo, ou temos ou não temos. Tradicional, sério e metódico cumpria sempre o mesmo ritual: casa, igreja, trabalho ou casa, trabalho e igreja. A ordem dependia de pequenas tarefas que  era obrigado a cumprir como qualquer cidadão. Nem a rotina de sua família  acompanhava. Emoção, diversão, aventura e romance nunca foram experimentadas. A sua vida era rigidamente planejada, nada o afastava de pensar que agindo assim, estava garantindo seu lugar nos jardins do céu. Livros apenas os religiosos. Os que contavam a vida dos santos,  eram os que mais  gostava. Sonhava em se tornar  anjo ou no mínimo um ajudante nas atividades celestiais. Porém, a vida de Gedeão começou a mudar, quando foi acometido por um problema de saúde. Gravemente enfermo, foi obrigado a procurar ajuda médica. Até aquela data nunca havia ficado doente, nem entrado em hospital e muito menos examinado. Os únicos contatos que ele havia experimentado foram os apertos de mão. Para ele, foi um grande golpe, quando tirou a camisa diante da médica. Seu coração disparou ao sentir em suas costas o toque macio daquelas mãos. Desconfortável com a situação, ele procurou, durante o exame, mergulhar em orações para não cair em tentação. Examina daqui e examina dali  nada encontrando nos pulmões e coração do paciente, mas suspeitando da existência de alguma coisa séria, a doutora encaminhou Gedeão para outro setor do hospital. Apreensivo, recebeu o receituário, e sem ler o que havia sido solicitado, encaminhou-se para o setor indicado. De olhos baixos e  apreensivo entregou o documento para uma enfermeira e sem olhar para o indicativo na porta do consultório, deixou-se levar pacatamente para o exame de proctologia. Hoje está completamente curado, é visto correndo no calçadão de Copacabana, joga frescobol na areia, freqüenta academia, churrascos e se amarra em um chopinho com lingüiça.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O CASARÃO

Durante os dias de carnaval, todas as janelas daquela grande casa ficam abertas. Do lado da rua uma multidão se agita, cantando e dançando freneticamente.  Máscaras e fantasias emprestam um confuso colorido à multidão enlouquecida que se espreme naquela estreita rua de ladeira. Aquele aglomerado humano é ao mesmo tempo algo repulsivo e atrativo. Um frenesi de corpos suados exalando odores impossíveis de serem identificados é ao mesmo tempo uma aberração e um fascínio. As  janelas do casarão, abertas para o mundo, parecem acolher toda aquela gente. Homens e mulheres cobertos de poeira bailam sensualmente, sem preocupações nem preconceitos. As classes sociais, democraticamente abraçadas formam uma compacta massa embriagada pelo som dos tambores e o  excesso de álcool que ajuda liberar os mais profundos instintos. Observando toda a anarquia momesca, as janelas do casarão  cuidam  de toda aquela loucura. São olhos atentos como um farol que direciona um navio para longe dos rochedos. Difícil descrever um  espetáculo em que a platéia e o palco se misturam, não havendo elementos que possam distingui-los. Como definir uma festa sagrada e profana, coletiva e individual. Onde cada um é único na encenação do espetáculo. Mesmo abraçados e misturados, a individualidade é clara. Cada personagem se diverte a seu modo. O outro,  é apenas o outro, um coadjuvante. Apenas mais um componente da grande cena. Em meio a tudo isso, silenciosamente aquele prédio  mantém a sua austeridade, mesmo quando é maculada  por dejetos, que os foliões teimam  derramar em suas paredes. O que parecia não ter fim,  aos poucos  perde o encanto. O cansaço domina  corpos cambaleantes que vagarosamente, se afastam da cena, deixando a rua vazia e silenciosa. Confetes, serpentinas, pedaços de vida entranhados em restos de fantasias se espalham por todos os cantos. Apenas o casarão permanece reinando soberanamente sobre todos aqueles destroços. Lentamente as suas janelas se fecham, para serem reabertas num próximo carnaval.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O SEGREDO

Usando o controle remoto, Sandro começou a avançar a fita de seu vídeo. O que ele procurava ocorrera há vários anos. Tentava achar uma cena gravada em seu antigo K7. Com o rosto contraído e olhos arregalados, Sandro se detém diante de uma imagem. Ele não acreditava no que estava  vendo. Num salto de dez anos, a antiga cena se tornara viva, como se  estivesse acontecendo naquele momento. Será que depois de tanto tempo  seria capaz de entender o que acontecera e a absolveria pelo erro? Mas agora, vendo-a através da tela, era iminente a verdade do fato, não havia como duvidar. Sandro não conseguia sequer absolver a si mesmo. Continuava sendo um idiota. Diante da tela do televisor, revendo aquele vídeo, continuava duvidando da veracidade dos acontecimentos. Desabotoando a camisa, sentiu uma profunda sensação de desgosto invadi-lo novamente. Era um fracassado. Durante todos aqueles anos, sua vida não avançou em nada. Ele continuava prisioneiro daquela trágica noite. Já perdera as contas das vezes que olhara para aquelas cenas e nunca ficara satisfeito com o que estava registrado. Ele teimava em acreditar que havia algo além daquelas imagens. Talvez ele estivesse se detendo na sequência errada, a rotina estava sendo a sua maior inimiga. Quando essa perspectiva atravessou seus pensamentos, sentiu uma mistura,  de empolgação e apreensão. Sabia quantas vezes havia apertado o botão do controle do vídeo sempre na mesma cena como se teimasse em não querer ver a realidade. Provavelmente estava preocupado com as possíveis conseqüências em relação ao que ia descobrir. Já se passara tanto tempo, que  se acostumara a carregar o pesado fardo  daquela dúvida. Enquanto analisava o que deveria fazer, Sandro desligou o vídeo, numa atitude de medo e respeito no que estava prestes a ser revelado. Era como se  estivesse delicadamente cuidando para que tudo se mantivesse em seus devidos lugares. Não havia mais motivos para desvendar aquele segredo. Nada mais poderia ser feito a respeito daquele fato. Ele sabia da existência de barreiras na vida, que não valem a pena ser atravessadas. Sandro sentiu uma enorme sensação de alívio por dentro. Estava tomando a decisão correta. Evitando um caos, um incêndio de grandes proporções, uma catástrofe. Balançou a cabeça concordando com seus pensamentos. Por algum tempo ele se manteve imóvel. Finalmente conseguiu levantar-se da cadeira e andar na direção da janela. Endireitando o corpo, como se livrasse daquele antigo fardo, Sandro não era mais o mesmo homem. Lançou seu corpo no espaço, voando como um pássaro levou com ele um segredo não revelado.




terça-feira, 12 de julho de 2011

UM ESTRANHO.

Aquele sorriso cativante  escondia algo que ninguém conseguia definir. Os olhos de um azul celestial  estavam marejados de lágrimas não derramadas por sentimentos de culpa. Ele era um jovem inteligente, possuidor  de uma beleza angelical, a quem o mundo deveria aplaudir. Em vez disso ele agia como uma fera ferida, olhando para todos com  ódio e uma fúria pronta para explodir. Com uma maestria incrível, conseguia disfarçar esses sentimentos, distribuindo sorrisos e causando sensações calorosas em todos com quem convivia. Sabia proferir palavras calorosas e envolventes, que deixavam homens e mulheres plenos de vontade de partilharem de sua intimidade. Quando alguém se aproximava além dos limites por ele estabelecido, encontrava alguma forma de congelar o admirador. Os mais atentos conseguiam perceber que as suas palavras calorosas ocultavam uma fria indiferença. Manipulava os outros, fingindo estar sensibilizado com suas histórias. Aqueles olhos, sempre úmidos, como se estivesse prestes a chorar, comovia principalmente as mulheres. Foi assim que conheci aquela criatura. Reservo-me  o direito de não classificá-lo como homem ou mulher, criatura é o que melhor pode traduzir aquele ser. Estava fadado e encontrá-lo durante uma festa. Ao avistá-lo rodeado de várias pessoas, me despertou a curiosidade. Quem seria? Por que tantos o admiram? Que fascínio ele consegue exercer sobre os convidados? Instintivamente fui atraído para a multidão que o adorava. Por alguns momentos, não consegui entender o que estava fazendo ali, junto com todos aqueles seres inebriados pelo anjo azul. Parece que quando a gente se sente confuso, nos vemos negativamente. E nos tornamos presa fácil para qualquer abutre. Foi dessa maneira que ele percebendo a minha insegurança, dirigiu-se a mim. Me senti, como se durante um jogo, o blefe do adversário, me tirasse a possibilidade de vencer, mesmo sabendo que estava sendo enganado. Inteligentemente, através de uma manobra elegante, ele se desvencilhou dos demais e ficamos apenas nós dois. Era um narciso diante de um patinho feio. Espantei-me por notar que jamais havia estado numa situação como aquela. Por alguns segundos não conseguia me defender. Fiquei com raiva de mim, da situação. Comecei a ficar aflito por me sentir aprisionado pelo anjo do mal. Ele percebendo a minha insegurança se aproximou ainda mais. Concedi-lhe alguns momentos para ordenar meus pensamentos. Vendo que eu não reagia do modo como ele esperava, ficou nervoso e eu fiz-lhe notar que ele estava se descontrolando. Finalmente a máscara do anjo estava prestes a cair. Uma lágrima brotou no canto de um dos seus olhos. Ele então se enfureceu. E através da raiva a verdade começava a surgir. O poderoso, o inflexível, o dominador finalmente se mostrava confuso e perturbado. E com a voz trêmula, perguntou:

- Você acha que eu gosto de enganar as pessoas?  Não reagi.
- Você me acha um farsante? Permaneci calado.

Ele respirou profundamente e relaxou. Não pude resistir à tentação, arrisquei dizer-lhe o que realmente pensava. Falei-lhe sobre a vida que, em minha opinião, ele estava tendo com os seus joguinhos e manipulações. Com suas atitudes não tinha um só amigo de verdade, e que seu maior medo era de se sentir só.
Ele ficou imóvel. Pensei que talvez tivesse sido duro demais com ele. Antes de começar a me apiedar, respirei fundo, e me afastei. Nunca mais tive notícias. Gostaria de poder afirmar que ele se transformou e que hoje sorri  sem esperar agradecimentos nem aplausos.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

QUAL É O PROBLEMA?

Diante da mesa daquele bar imaginário, no local escolhido, estabeleci meus próprios limites. Antes de ocupar a cadeira observei o ambiente. Sou supersticioso, portanto tomo pequenos cuidados. Tenho alguns temores, o que me obriga a inventar o meu próprio espaço. Às vezes sou levado a acreditar que comemoro sempre o gol do time adversário. Dou as minhas cochiladas, mas presto atenção em tudo. Sei exatamente a dimensão em que vivo, mas olho desconfiado para o crescimento do mundo. Quero garantir a minha sobrevivência mantendo o meu equilíbrio. Já engoli melancias, para obter um diploma e me aproximar de pessoas famosas  que possuem status social. Eu queria ser acolhido pela sociedade dominante. Afastar-me de pessoas mal ajambradas, cafonas, tacanhas que  arrastam sandálias. Sei que meus amigos vão me matar, mas quero mudar minhas experiências. Provar novos sabores, misturar salgados e doces, batatas, cebolas com geléias. Sentir novas texturas. Transcender as tradições e quebrar paradigmas, através de novas refeições. As cozinhas são um reflexo da nossa importância. Criamos nova visibilidade através dos sabores dos pratos, provando criativas e sofisticadas receitas. Tomando chazinhos aromáticos, para aquecer as noites, mesmo que não sejam frias, ostentando uma duvidosa bagagem de quem conquistou o mundo. Analisar os alimentos, observar  a leveza das saladas modificar e reinventar o que não vai ser consumido. É bom esclarecer, que não quero  me sentir culpado e nem ser infantil. Também não quero discriminar ninguém. Meu mundo ficou pequeno e quero dar o primeiro passo. Sei que os desafios são muito grandes. Quero  terminar uma era e buscar um ideal. É inútil debater esses pensamentos que moram dentro de mim. Quando era criança  queria ser violoncelista, isso parece engraçado, mas como a concorrência era muito grande, desisti da idéia e pensei em outras coisas, como ser um jóquei e sair galopando cavalos velozes. Precisava encontrar alguma coisa, sem desembolsar tostões. A preguiça de ler e entender os livros que povoavam as bibliotecas me fez descobrir que deveria recorrer a novos amigos, fazer aliados. Pessoas que buscassem o saber, olhando as telas dos computadores sem nada entender. As que fingem preservar as tradições, debruçadas nas janelas de suas mansões.  Por mais estranho que pareça, e mesmo sem saber o nível dessa gente, são elas que continuam entrelaçando, tramando e ditando suas preferências, suas cores e fazendo os milagres acontecerem. São elas que flutuam nos salões, falando em seus celulares imaginários, testemunhando através de gerações os destinos dos outros e  garantindo os seus próprios tesouros. É inútil debater essa questão. Tenho pena das pessoas, que usam telefones antigos tentando resgatar o que já se perdeu no mundo. Faço parte dessa parcela flutuante da população que fica observando essa gente que freqüenta mesas de bares, consomem e não são consumidas, misturam sal no café e se deliciam com pimenta no mingau. As que tecem e fiam nossas roupas, e que nos permitem observá-las através das vidraças escuras de seus carros importados. Mas um dia, tudo isso vai me modificar. Qual é o problema?


sexta-feira, 1 de julho de 2011

CAZUZA

O cara nasceu poeta. Escreveu lindos versos.
Eu protegi seu nome por amor, sob o codinome beija-flor!
Quem não gostaria de ter o seu nome protegido por tão lindo codinome?
E os segredos de liquidificador!
Somente uma cabeça como a desse cara, poderia imaginar esse tipo de confissão!
Fez protesto, em relação às drogas, mas sucumbiu a elas! Quem não se lembra do esquálido Cazuza, mostrando toda a sua magreza em público. Naquele espetáculo, havia uma forma de dizer:  Jovens cuidado!
E as questões sexuais? Amar foi seu verbo preferido. Amar homens e mulheres, sem preconceitos. Declarar esse amor aos ventos e aos mares, deixando os mais conservadores assustados com esse garoto.
Teria sido ele um anti-herói?
Em cima de um palco se expõem, na maior campanha contra a AID’s que já vimos acontecer. Um grande exemplo para a sociedade! Até onde  podemos chegar quando as regras são quebradas!
Irreverente! Corajoso! Instigante! Inteligente!
Será que toda a droga, que já era malhada antes dele nascer, foi estocada prá ele?
Caju foi um homem que ser perdeu, tentando se encontrar. Acredito que sua passagem pela Terra não foi em vão! Que ter nascido daquela mulher foi uma predeterminação, para que outras vidas pudessem ser salvas.
Lucinha, conhecida como a mãe do Cazuza, cuida de muitas crianças, permitindo que elas possam ser respeitadas e aceitas pela sociedade, sem preconceitos.
Ele veio ao mundo para que essas crianças pudessem sobreviver!
Um menino poeta que viveu tão rapidamente que nem deu tempo de viver plenamente!
Cazuza foi um maior abandonado, que não conseguiu fazer o tempo parar, para inventar o seu amor pelo mundo. Um exagerado, cheio de ideologias que sempre sonhou em fazer sempre o melhor para o dia nascer feliz!
Querido Cazuza,  a emoção acabou ...
Que coincidência é o amor ...
 A “sua” música nunca mais tocou ...
Menino poeta, eu quero proteger seu nome por amor...
Em um codinome beija-flor!
Sua presença eternizou-se nos vôos dos pássaros!
Rápidos! Suaves!
Bailarinos!
Você  sonhou acordado!
Nos encantou com sua arte...
Nos emocionou com sua coragem ...
Quando você partiu
Eu prendi meu choro
Não deixei aguar o bom do amor.
Garoto, você nos encantou
Não quero mais mentir
E nem fingir
Não vou mais proteger seu nome
Vou declarar ao mundo o meu amor.

                        Edison Borba


BULLYING

– UM GRAVE PROBLEMA SOCIAL.
Bullying um fenômeno bastante instigador. Há dias os meios de comunicação noticiam os diversos casos de bullying, que estão acontecendo na nossa cidade, estado, país e no mundo. Situações constrangedoras  envolvendo crianças, jovens e adultos. Uma  epidemia! Há várias preocupações sobre esse fenômeno: as jurídicas, as psicológicas, as criminais, as sociais entre tantas. Infelizmente, as Unidades de Ensino tem sido os ambientes onde o bullying, é mais observado. Por esse motivo, todos os que labutam nessa área precisam analisar, discutir e obter informações exaustivas sobre esse fenômeno. Acreditamos que é preciso haver uma ação conjunta da sociedade, no sentido de estudar profundamente para entender e buscar formas de ação educativa para cuidar não só das vítimas, mas também dos “algozes”. Ambos precisam de ajuda. Nossa sociedade vive um momento onde as ações inovadoras e empreendedoras, são cada vez mais colocadas como sendo o caminho para melhorarmos as condições de vida da Terra. Porém, o que acontecerá com as crianças e jovens que experimentam situações de bullying, quando se tornarem adultas? Como obtermos bons cidadãos e profissionais competentes  se em  suas vidas houverem cicatrizes deixadas por praticarem ou sofrerem ações agressivas, ou seja, o bullying? No pensamento de Ramsey Clark, advogado americano; podemos traduzir os malefícios desses atos:

“Um direito não é o que alguém dá a você, é o que ninguém pode lhe tirar”.
Quando alguém é submetido a uma ação violenta, como o bullying, tira-se dessa pessoa aquilo que lhe é mais sagrado - a liberdade.
Através de alguns depoimentos, podemos perceber o quanto esse fenômeno prejudica à sociedade como um todo. Não se trata de um fato isolado e que acontece num determinado local e época. As marcas são eternas.Os prejuízos sociais são aterrorizantes.
Anônimo 1: “fui vítima de bullying praticamente em toda minha vida escolar. Foram anos terríveis, eram xingamentos dos colegas, e até por parte de alguns professores, que faziam vista grossa para o caso.  Até hoje, passados quase 27 anos, guardo isso dentro de mim”.
Anônimo 2: “em relação aos colegas,eram xingamentos e rejeições. Tinha dificuldade de aprendizado, tirava muita nota baixa e todo ano ficava em recuperação. Fui reprovada duas vezes. Ninguém queria fazer trabalho comigo. Hoje sou adulta, tenho 31anos, mas as cicatrizes são visíveis. É difícil lidar com isso.
Anônimo 3: “também fui vítima durante todo o ensino fundamental. No ensino médio apresentava uma timidez excessiva, acredito foi seqüela do que aconteceu no fundamental. As marcas ficam e são difíceis de sair. Hoje tenho 33 anos,  não tenho amigos de infância ou colégio. Não desejo que nenhuma criança sofra as humilhações e perseguições que sofri. Da escola só tenho recordações ruins.

Até aqui, focamos a situação de quem sofre a ação de bullying. Imaginemos agora, como estarão os aplicadores, os agentes ativos da agressão. Quem são esses cidadãos? Como estarão agindo? Se a vítima guarda cicatrizes, o algoz continua agindo na sociedade, encoberto por um título ou um cargo que lhe confere poder. Os problemas do bullying são maiores do que ainda podemos perceber. O tempo revelará os seus malefícios, portanto temos que agir agora, impedindo que esse fenômeno continue a existir. Educação é a grande saída!
Edison Borba.